Um dos maiores críticos literários de Fantasia do país, o carioca Diego Ribeiro faz uma análise minuciosa da obra épica do autor Romulo Felippe
Diego Ribeiro / Stalo
Rio de Janeiro
A fé á certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos. Tão intangível quanto indestrutível. Sobre a qual nações se formam e sem a qual vidas se esvaem. Calorosa, esperançosa e por vezes dolorosa. Aqui temos uma jornada de fé de quatro almas. Um mestre cansado, sereno e realizado. Um monge atormentado, inquebrável e brutalizado. Uma princesa comprometida, indomável e fiel. Um rei insaciável, corrompido e irado. Essas quatro vidas enfrentarão, e se entregarão, aos “seus demônios” em uma rota de colisão fatal onde suas certezas serão testadas através de sangue, suor e lágrimas. Provarão que uma fé na qual você não está disposto a morrer por ela, é uma pela qual não vale a pena viver.
“O animal cai morto como uma rocha, estrondando o chão aos pés do ofegante monge. Com certa dificuldade, a espada templária é retirada por entre o elmo trazendo consigo sangue, pedaços de dente e de ossos em sua lâmina.”
Grão-Mestre Christopher Blanche carrega sobre seus ombros décadas de batalhas realizadas através de incontáveis, e questionáveis, cruzadas em nome do Cristianismo. Ele já havia combatido o bom combate, gostaria de guardar a fé, mas faltava mais uma última e derradeira corrida: levar de Jesrusalém a “Coroa de Espinhos”, que outrora esteve na cabeça de seu Senhor Jesus Cristo, para a França. Aspirava concluir em paz e com um bom vinho francês, mas sentia que teria que beber o cálice da ira até a última gota antes. Ainda possuía ombros largos, mas seu estômago já era sensível.
O monge Bastian Neville é um desertor. Um ex-cavaleiro templário que outrora se questionou porque tanto sangue derramado em nome de Cristo se todo o preço de sangue necessário foi pago por Ele na Cruz do Calvário. Defendendo uma cristandade que acredita na remissão dos pecados através da fé, só viu o aço fazê-lo. Fugiu do passado em um mosteiro. Mas portas não seguram o tempo. Se dedicava a contemplar e orar quando foi chamado novamente para a batalha: cabia a ele levar a ponta da “Lança de Longinus”, a mesma que furou o corpo de Jesus enquanto este estava sendo crucificado, para a França. Bastian sabia que a fé que prevalece, e vale mais que o ouro, precisa ser testada no fogo, ele só não imaginava que viria do sopro de um dragão.
“Poderia trepar comigo como se eu fosse uma égua, templário maldito. Mas não aqui nem nessa vida – entoa quase como um cântico ao pé do ouvido do batedor. – Bons sonhos, garoto virgem – e enterra o pequeno punhal na jugular do cavaleiro, sentindo o sangue quente esvoaçar em seu vestido gasto.”
Seteg é uma princesa Mongol, neta do grande Gengis Khan. Ao lado do seu inseparável falcão cinza Nergui, ela se compromete a ajudar o monge Bastian em sua aventura. Como um bom guerreiro ela sabia que deveria suportar sofrimentos como Cristo o fez. Estava preparada para tudo, até mesmo entregar o que mais ela tinha de valioso, seu coração. O amor tudo crê, tudo espera, tudo suporta e tudo sofre. Mas certas provações são mais fáceis e práticas embalsamadas nas páginas eternas da Palavra de Deus do que no aço em meio a batalha. Slatan Mondragone e sua alma negra como piche é o Rei Negro. Aconselhado pelo lendário mago Nuray, o “Mil Luas”, busca apenas roubar, matar e destruir. Rugindo e andando ao derredor de reinos busca todos aqueles a quem possa devorar, inclusive suas almas. Uma antiga profecia o instigou a perseguir as duas relíquias da Cristandade. Dizia a mesma que em posse delas uma serpente (ou seria um dragão?) que teria poder de lutar contra anjos apareceria no céu… e seria o fim.
“Slatan faz uma incisão com menos de um centímetro de profundidade na parte interna do braço direito de Jaroslav. Da axila ao pulso. Em seguida, realiza uma precisa circuncisão na parte de cima do braço e depois na base da mão. Usando as próprias mãos, e fincando a ponta de seus dedos na carne do rei cristão, puxa a pele com a força de um urso – arrancando-a de todo o braço e realçando a dor do monarca condenado.”
Prepare o seu coração para as coisas que o Romulo Felippe (autor) vai te contar, ele vem do Espírito Santo e pode não lhe agradar. Esse sensacional livro é uma jornada de fé, e a mesma não nos poupa de aflições, apenas nos acompanha nas mesmas. Nossos protagonistas tem por Pai Deus, mas por mãe solidão. Nosso antagonista tem por pai a mentira (diabo) e por mãe o vazio. No embate de crenças, aço e dor quem sempre ganha é a morte. A “fonte de água viva” que traz segurança, por vezes parece seca. Através dos músculos do braço, pescoços tencionados, joelhos dobrados e corações abrasados veremos o que significa mover montanhas pelo que se acredita.
Flertando com a fantasia através de unicórnios, gigantes, mortos-vivos e dragões nosso autor nos ensina a dizer não e ver a morte sem chorar. Um livro encantador que precisa ser lido, não por ser de um autor “nacional”, mas porque a boa literatura não tem fronteiras, e essa obra é a prova disso. Dúvida? Talvez seja por você ser um homem de pouca fé. Mas não sendo seu caso não se esqueça que a fé sem obras está morta. Por isso te convido a abrir a primeira página e não se encantar.
“Furioso! Ação ininterrupta e de rasgar o coração”